domingo, 7 de dezembro de 2008

Comemorar o quê?

Por Carlos Tiburski

Todo final de ano é a mesma coisa. Dezembro vem chegando e é comum vermos enfeites nas portas das casas e árvores de Natal. As ruas da cidade também se enchem com bolas coloridas e luzes de toda sorte. Na noite de Natal famílias fazem um banquete com perus, leitões recheados, patos, gansos, muitas nozes, castanhas, passas de uvas, whiskys, champanhe etc.

Mas afinal, o que se comemora no Natal? No mundo cristão pode-se dizer que é o nascimento de Jesus Cristo. Mas mesmo para a maioria dos cristãos, o que isto significa não é muito fácil de entender. Pois até o Japão, que é um país budista, também comemora o Natal. Mas então, que espírito é esse que se manifesta em praticamente todas as culturas do mundo? Para responder a essas perguntas ouvimos alguns seguidores de diversas religiões. Antes, entretanto, é necessário fazer uma breve revisão histórica a respeito da data do Natal.

Culto pagão

No ano 354 d.C. o papa Libério, sendo imperador romano Justiniano, ordenou que os cristãos celebrassem o nascimento de Jesus no dia 25 de dezembro. A data coincide com as antigas comemorações romanas à Saturno, deus da agricultura, e também com o solstício de inverno no hemisfério norte. Mas segundo a kardecista do Centro Espírita, Irmã Filomena e o autor espírita de livros, como A Voz do Coração, Demétrio Pavel Bastos, 65 anos, a Bíblia não apresenta nenhuma referência relativa à data do nascimento de Jesus Cristo. "Não é uma questão de esquecimento e muito menos de ser tratado como um fato irrelevante. Pelo contrário! Na realidade os antigos calendários romanos eram muito pouco confiáveis, e Roma, através de Júlio César, tinha recém apresentado um novo modelo que incluía o mês de julho em sua própria homenagem", explica.

O nascimento de Cristo sempre esteve envolvido em controvérsias. Para uns seria no dia 1º de janeiro. Para outros, no dia 6 de janeiro, 25 de março ou 20 de maio. Pelas observações dos chineses o Natal seria em março quando um cometa, tal qual a estrela de Belém, reluziu na noite asiática no ano 5 d.C. "Como data festiva, o Natal é um arranjo inventado pela Igreja Católica e enriquecida através dos tempos pela incorporação de hábitos e costumes de várias culturas", afirma Bastos. Portanto, para os espíritas, o Natal não se relaciona ao nascimento físico de Jesus, mas sim ao seu nascimento espiritual. "O Natal para o espírita é o momento em que nós nos impregnaríamos da mensagem evangélica, permitindo a Jesus nascer em nossos corações, para nos tornarmos o homem novo", finaliza.

No Centro Sete Raios de Luz, comandado por Luiz Molin, 57 anos, os umbandistas não compreendem o Natal como uma data de culto ao nascimento de Jesus. Entretanto, a energia desta data contagia a todos, como uma onda de renovação, especialmente nos relacionamentos pessoais. "Acabamos fazendo, mesmo que inconscientemente, uma avaliação do ano que termina, sentimos saudades daqueles que já não estão mais entre nós, pensamos nos entes queridos que estão afastados e procuramos confraternizar com todos, amigos ou não", revela Molin.

Natal no oriente

O oriente também comemora o Natal. Mas diferente do mundo católico, eles festejam o nascimento do primeiro Buda, Sidharta Gautama. No budismo japonês é chamada de "Festival das Flores". A abundância de flores durante a festa simboliza o jardim de Lumbini, local onde a rainha Maya, esposa do rei Suddhodhana, deu à luz ao menino Sidarta.

Para a cantora Sri Madana Muhana, 36 anos, seguidora da religião Hare Krishna há 18, embora a principal divindade cultuada seja Krishna, eles têm o costume de comemorar a vinda de Jesus com uma ceia e uma troca de presentes. Ela explica que Jesus é visto como um mestre. "Ele foi um sakti avesa avatar, uma encarnação especial dotada de poder divino, que veio com a missão de pregar a humildade".

O monge José Roberto Neves, 42 anos, do Templo Budista Higashi Honganji, explica que para os budistas o Natal é um dia como os outros. E que ao invés do Natal, eles possuem várias outras festas, incluindo a que comemora o nascimento de Buda, em abril. Para eles, Jesus é considerado "um mestre que transmitiu muitos ensinamentos, assim com Mahatma Ghandi". Mas quanto ao Natal propriamente dito, Neves acha que hoje essa questão é mais comercial. "Mesmo no Japão, que é um país budista, tem muita árvore de Natal e Papai Noel", conta.

Os sem-Natal

O cotidiano do Brasil, maior país católico do mundo, está muito mesclado com as datas cristãs. Imagina-se que todo mundo comemore o Natal. Entretanto, para alguns brasileiros o Natal não tem o mesmo sentido. Se não fossem as festanças da vizinhança, as decorações das casas e lojas e as propagandas nos meios de comunicação, a festividade passaria como um dia normal. Praticamente invisíveis no meio dessa onda festiva, há milhões de brasileiros que simplesmente não comemoram o Natal. Para eles, ou tem um sentido diferente, ou não tem sentido algum. "Para nós, o Natal e o Ano Novo são dias normais. O nascimento de qualquer profeta é um dia normal", diz o sheik Ali Abdouni, 36 anos, diretor do Departamento Religioso da Mesquita Brasil, de São Paulo. Ele explica que, para os muçulmanos, Jesus foi um dos grandes profetas, assim como Adão, Abraão e Maomé. "Se fôssemos comemorar nascimentos de profetas, teríamos uma festa por hora, pois são ao todo 124 mil profetas de acordo com o Alcorão".

A mesma data, outro acontecimento

Hanukkah significa dedicação, acontece na noite de 25 de dezembro, mas nada tem a ver com o nascimento de Jesus Cristo, a quem a religião judaica não reconhece como filho de Deus. A festividade marca o resgate do Templo de Jerusalém, depois da sua profanação por forças inimigas, há 165 "Antes da Era Comum", uma designação que substitui a demarcação Antes de Cristo. Mas é, sobretudo, a dedicação constante do povo Judeu e a sua luta pela vivência em conformidade com os mandamentos de Deus que é festejada.

O Hanukkah tem a duração de oito dias. A explicação assenta na lenda judaica onde se relata que entre os destroços da batalha pela reconquista do Templo, restava apenas uma jarra de óleo sagrado que chegaria para um dia, milagrosamente o líquido ardeu durante oito dias. Daí que o acender das velas seja o ritual mais importante associado a esta festividade. Usa-se um candelabro com nove velas, sendo que a colocada no centro é acesa todas as noites e usada para acender diariamente cada uma das restantes.

Durante este período trocam-se presentes e fazem-se contribuições para os mais desfavorecidos. É ainda costume a ingestão de alimentos fritos em óleo, como as panquecas de batata e o tradicional bolo de geléia judeu.

À procura do espírito

O Natal é cada vez mais uma festa dessacralizada. O Padre Católico José Jorge, 80 anos, responsável pela Comunidade paroquial da Igreja do Santíssimo Sacramento comenta: "Nada mais adequado do que celebrar o nascimento da luz plena, o filho de Deus, criador de todos os sóis e estrelas, nessa data." No entanto, esclarece: "O dia preciso não é assim tão importante, o acontecimento ultrapassa a data que é apenas uma circunstância". Apesar da comercialização da época, é na "congregação" que reside a espiritualidade. "As pessoas vêm de toda a parte do mundo e reúnem-se na casa que os viu nascer e onde sempre houve Natal", afirma padre José.

Por entender a data 25 de dezembro como uma calendarização falsa de um acontecimento verdadeiro, Eliseu Garrido, 80 anos, ancião das testemunhas de jeová, assume uma posição crítica sobre a celebração do Natal. "É falso dizer que Jesus Cristo nasceu nesse dia!". A suportar esta tese, a junção de algumas referências cronológicas presentes na Bíblia é sintetizada como: "Jesus morreu aos 33 anos e meio, no fim da celebração da Páscoa judaica. Se retroceder ou avançar seis meses nunca cairá no mês de dezembro", alerta Garrido.A visão romântica de padre Jorge encontra uma forte oposição nas palavras do ancião das testemunhas de jeová: "Há um espírito de Natal, mas é o do comércio e não o da fraternidade e nem o da solidariedade para com o próximo!". O tom se mantém: "Não estamos à espera de datas para demonstrar nada!". Padre Jorge também afirma que não. Por isso admite o clichê, mas insiste em usá-lo: "O Natal é todos os dias".

Nenhum comentário: