domingo, 2 de novembro de 2008

(Não) Chega de saudade

por Fernanda Bastos


A Bossa Nova completa meio século e a cultura brasileira ainda faz festa. Há cinqüenta anos, um grupo de jovens fazia os primeiros acordes que produziriam uma revolução na música brasileira. O contexto era otimista e o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek prometia progresso ao país e as artes eram reverenciadas com o Cinema Novo e o Teatro de Arena.


A juventude burguesa, cansada das músicas de fossa e dos cantores de voz empossada, buscava um estilo que representasse os ares de modernidade. O jazz norte-americano empolgava, mas não representava o que a mocidade carioca desejava. As reuniões musicais na casa da cantora Nara Leão, famosas pelas presenças ilustres de músicos como Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal, gerariam o encontro com o violonista baiano que surge com o tom e a batida que todos procuravam. “Aí aparece o João Gilberto. Ele chega com uma nova batida do violão. Isso é uma coisa fundamental na Bossa Nova: o jeito de se tocar violão que ninguém tinha tocado daquela maneira até então.”, afirma Ramiro Bicca, músico e Professor de História.

Os acordes dissonantes e a voz intimista de João Gilberto encontram as composições de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Juntos, criaram algo moderno, que para a gíria da época chamariam bossa nova. O resultado dessa união aconteceu no lançamento de “Chega de Saudade”, em 1958.

O escritor e professor de Literatura Luis Augusto Fischer percebeu na canção não só o início do movimento, mas de toda a transformação que se seguiria na forma de cantar, tocar e compor dos brasileiros: “Chega de saudade” é uma espécie de palavra de ordem, como se todo mundo quisesse dizer: estamos só cantando a saudade, chega desse mundo antigo, do amor que partiu, chega de saudade!”, diz Fischer. Nos anos seguintes, o gênero conquista os brasileiros e recrudesce, inclusive, no exterior.

Em 1962, João Gilberto, Carlos Lyra, Luiz Bonfá, Sérgio Mendes, Carmem Costa, Milton Banana são alguns dos artistas recebidos para uma apresentação de sucesso no Carnegie Hall, em Nova Iorque O estilo vive seu auge até a primeira metade dos anos 60, quando as atenções se voltam para a Tropicália. O gênero vai se restringindo e seus representantes são considerados saudosistas. No entanto, para especialistas a força do legado da Bossa Nova não pode ser mensurada. “Todo mundo foi influenciado pela Bossa Nova: Chico (Buarque), Lobão, Paralamas (do Sucesso) e até Marcelo Camelo...”, reforça Fischer.


Pra aqueles que querem entender na prática o tema dessa reportagem, seguem as dicas:

CD

João Gilberto: Live in Montreux, Warner, R$ 25,90, em média. O registro do show realizado no Festival suíço de Montreux em 1986 sintetiza a obra do mestre da Bossa. A platéia se delicia com clássicos como “A Felicidade”, “Garota de Ipanema e “Retrato em preto e branco”.

Livro

Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova, por Ruy Castro, Companhia das Letras, R$ 49,90 em média. O livro do jornalista e biografista proporciona uma imersão nos momentos decisivos para o surgimento e sucesso da Bossa Nova. Os encontros na casa de Nara Leão, o perfeccionismo de João Gilberto, a boêmia no Rio de Janeiro: tudo está lá. Leitura fluida e prazerosa.

Cinema

Orfeu Negro/ Orfeu do Carnaval, Brasil/França/Itália, 1959, 100 min, direção de Marcel Camus. Versão modernista do mito grego, a peça “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes dá origem ao filme. Vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro e da Palma de Ouro, em Cannes, a produção também é acusada de maquiar a realidade das favelas brasileiras. É impossível negar seu mérito em reproduzir belas imagens dos morros e do Carnaval cariocas. A trilha impecável de Tom Jobim e Luiz Bonfá impulsionou a fama internacional da Bossa Nova.

Coisa Mais Linda, Brasil 2005, 131 min, direção de Paulo Thiago. Documentário retoma a trajetória da bossa nova através de depoimentos de Carlos Lyra, Alaíde Costa, Roberto Menescal, Nelson Motta, Tarik de Souza, entre outros. O longa dispensa o saudosismo comum nas obras do tipo e apresenta com simpatia sua versão da história, com direto a anedotas.

Nenhum comentário: